sábado, 7 de abril de 2012

Com perfume, coragem e afeto!

"Em verdade vos digo: onde for pregado em todo mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória dela” ( Marcos 14.9).

Está se aproximando o dia em que Jesus será traído, preso e condenado à morte pela cruz. Serão dias de muita dor e sofrimento para o filho de Deus.
Ele está reunido com os seus amigos e amigas na casa de Simão. Talvez estes sejam os últimos momentos que terá com eles. De repente chega uma pessoa que não foi convidada e provavelmente nem poderia estar naquele lugar. É uma mulher; e parece que, de todos ali, ela é a única que sente o que Jesus realmente precisa. Ela revela que conhece a dor e angústia que ele deve estar sentindo nestes momentos finais. Então, se aproxima e, em um ato profético, oferece alívio para o sofrimento de Jesus. Ela quebra um vidro de perfume e o derrama sobre ele.
Houve quem se pronunciasse contra este gesto, mas Jesus humildemente o aceita, e reconhece nele um ato grandioso realizado por aquela mulher; e promete que, juntamente com o evangelho pregado, aquele ato será para sempre lembrado.
Ao derramar o bálsamo, primeiro ela mostra que compreendeu quem é Jesus: Ele é o Messias! Ela o unge como só se fazia aos reis e sumo sacerdotes e com este gesto ela confessa a sua fé.
Também mais do que o bálsamo derramado, ao tocar Jesus, a mulher oferece um gesto de carinho e ternura que busca aliviar a dor e o sofrimento. Através de seu ato ela mostra que Jesus não está sozinho.
Aquela mulher, cujo nome a Bíblia desconhece, certamente não estava convidada para sentar-se à mesa junto com Jesus; era uma das pessoas que a sociedade excluía. Mas, ao quebrar o vaso de óleo perfumado, simbolicamente ela quebra barreiras e convenções para mostrar a sua fé, a sua solidariedade e levar o seu carinho a alguém que está sofrendo. De onde veio esta coragem? Do compromisso com o Cristo sofredor.
A aceitação da Boa Nova em Jesus Cristo nos conclama a sermos pessoas solidárias e compromissadas junto às milhares de irmãs e irmãos que estão passando por momentos de dor, sofrimento e experimentando situações de morte. Onde o Evangelho for pregado nunca serão esquecidas a confissão de fé, a coragem, a ternura e a sensibilidade desta mulher sem nome.
Onde está o nosso frasco de perfume? Quem estará necessitando do nosso perfume compreensivo e consolador neste momento?


Sônia Gomes Mota – pastora da IPU

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A DISCÍPULA DE MAGDALA

Muito se especula, hoje, sobre o papel da mulher mais conhecida e importante do círculo de discípulos de Jesus, Maria Madalena. Alguns atribuem a ela um papel especial na vida de Jesus. Conforme o livro O Código da Vinci, de Dan Brown, ela foi esposa de Jesus e com ele teve filhos. Essa lenda se baseia, por um lado, em diversas observações espalhadas em livros apócrifos dos séculos II e III d. C. Esses livros referem-se ocasionalmente a Maria como “companheira de Jesus” ou “discípula amada” (Evangelho de Felipe) ou intérprete e interlocutora privilegiada de Jesus (Pistis Sofia). Por outro lado, apoiam-se numa tradição da Idade Média, de acordo com a qual Maria teria ido, após a ressurreição de Jesus, ao sul da França, onde um de seus filhos se tornara o fundador da dinastia dos merovíngios (governantes da França).

A partir do papa Gregório I (590 d.C.), Maria Madalena foi, além disso, identificada com a “pecadora” que lavou os pés de Jesus (Lucas 7.36-50) e considerada uma prostituta. Essa pecadora anônima havia sido já anteriormente (João 11) identificada com Maria, irmã de Marta e Lázaro. Assim, Maria Madalena atraiu, com o tempo, as características de três mulheres distintas da Bíblia, tornando-se, por fim, erroneamente o símbolo da pecadora arrependida.

O Novo Testamento menciona Maria Madalena, geralmente junto com outras mulheres, em momentos decisivos da vida de Jesus: na crucificação, no sepultamento (Marcos 15.40-47) e na ressurreição (Marcos 16.1; conforme João 20.1, ela é a única que vai ao sepulcro no domingo de manhã). Sem dúvida, Maria Madalena era, ao lado de Pedro, a grande líder dentro do círculo menor de discípulos. Em João 20 e alguns livros apócrifos ainda encontramos sinais de uma certa concorrência entre Pedro e Maria.

Esse seu papel de liderança e respeito Maria Madalena conquistou por sua atuação e postura dentro do círculo de aprendizes de Jesus. Ela o chama de “Raboni”, ou seja “mestre” (João 20.16)). Natural da cidade de Magdala, à margem do Lago de Genesaré, Maria tornou-se seguidora de Jesus por gratidão: Jesus a havia curado de seus males (“dela saíram sete demônios”, conforme Lucas 8.2). Juntamente com outras mulheres ela o acompanhava e, com os seus bens, até sustentava o grupo em suas andanças pela Galileia até Jerusalém (Lucas 8.3).

Por ocasião da crucificação de Jesus, Maria Madalena e as outras mulheres observavam de “longe” o que acontecia (Marcos 15.40). Isso representou um ato de coragem, ainda que comedida, já que uma demonstração de solidariedade podia facilmente ser confundida com um apoio ao movimento contra os romanos, que executaram Jesus. Os discípulos homens aparentemente haviam fugido (João 19.26 menciona apenas o discípulo amado).

A fidelidade de Maria Madalena se estende para além da morte de Jesus. Os Evangelhos concordam que ela, ou sozinha ou junto com outras mulheres, foi a primeira testemunha da ressurreição. Por ter anunciado a boa nova aos outros discípulos (João 20.18), ela pode ser chamada  de “apóstola dos apóstolos”.

 Mas, infelizmente, a autoridade que Maria Madalena gozava nas primeiras comunidades cristãs foi se diluindo aos poucos com a criação de uma igreja hierárquica. Nos grupos gnósticos, ela se tornou companheira e esposa de Jesus e, em diversos pais da Igreja, transformou-se no símbolo da pecadora penitente. Para as comunidades de hoje, Maria Madalena deve ser vista como uma discípula corajosa, uma líder dinâmica e uma fiel seguidora de Jesus que vivia de forma coerente a sua fé.


Nelson Kilpp- pastor da IECLB. – Texto cedido pelo autor publicado na Revista Novo Olhar da Editora Sinodal – janeiro-fevereiro de 2011- nº 37

quarta-feira, 7 de março de 2012

Mulheres desobedientes

Há momentos em que é preciso contrariar ordens superiores ou normas vigentes, especialmente sob regimes autoritários e em contextos de repressão. A história bíblica mais conhecida de desobediência de mulheres encontramos em Êxodo 1.15-21. No antigo Egito viviam e trabalhavam as parteiras Sifrá (“beleza“) e Puá (“moça“), que no parto assistiam tanto mulheres egípcias como hebreias. As duas parteiras não tiveram a chance de constituir uma família própria. Por isso as pessoas chegavam até a desprezá-las, achando que Deus lhes havia negado sua bênção. Mas isso não as desanimava nem abalava sua fé. Mesmo não tendo filhos próprios, ajudavam outras mulheres a ter os seus.
O texto bíblico narra que o faraó tentou cooptar Sifrá e Puá para seu plano de extermínio das etnias estrangeiras no Egito, ordenando-lhes matar todas as crianças hebreias do sexo masculino por ocasião do parto. Como a parteira era pessoa de confiança e como geralmente não havia testemunhas no momento do parto, isso não seria tarefa difícil para Sifrá e Puá. O texto bíblico diz no entanto: “As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como lhes ordenara o rei do Egito; antes deixaram viver os meninos”.
O compromisso das parteiras com a vida foi mais forte do que a política da autoridade constituída. O texto chama isso de “temor de Deus”, ou seja, uma postura ética baseada na fé e na convicção de que atentar contra a vida de pessoas frágeis e indefesas é um atentado contra o próprio Deus. Somente um ato de desobediência civil pode vir ao encontro do plano de Deus: preservar a vida do povo.
Por isso Sifrá e Puá são levadas a julgamento. A pergunta do faraó – “Por que fizestes isso e deixastes viver os meninos?” – é uma acusação. Como as duas parteiras não buscam o martírio, já que delas depende a vida de outras crianças, elas ocultam a verdade: “As mulheres hebreias não são como as egípcias; são vigorosas e, antes que lhes chegue a parteira, já deram à luz os seus filhos” (v. 19). O argumento apresentado pelas parteiras aparentemente convenceu o faraó, talvez por ter, pelo menos em parte, correspondido à verdade. Foi uma meia-verdade.
Mas a história não está interessada na impressão do rei do Egito; ela se concentra nas mulheres. Nota-se que a meia-verdade (ou meia-mentira) não é criticada pelo autor da narrativa. É que não se espera das parteiras um ato heroico. Deus quer mantê-las vivas para, através delas, continuar preservando vidas. Além disso, o relato bíblico parece querer comprovar o princípio de Provérbios 19.27: “O temor do Senhor conduz à vida” – sim, à vida plena. Por isso a história das duas mulheres desobedientes termina assim: “E, porque as parteiras temeram a Deus, ele lhes constituiu família” (Êxodo 1.21). Na época, isso era considerado vida plena e realizada.
Sifrá e Puá dão-nos uma bela lição de cidadania e coragem. Mesmo não sendo mães, elas arriscam sua vida pelos filhos de outras mulheres. Não se submetem cegamente ao poder. Mostram que a fé pode requerer um ato de desobediência civil. Elas também nos ensinam que fé e ética não podem ser separadas e que há momentos na vida em que precisamos optar entre compactuar com regimes que promovem a morte ou defender a vida das pessoas frágeis e indefesas.

* Texto escrito ppelo rev. Nelson Kilpp - Especialista em Antigo Testamento, pastor da IECLB


Texto cedido pelo autor- publicado na Revista Novo Olhar da Editora Sinodal nº 39