Muito se especula, hoje, sobre o papel da mulher mais conhecida e importante do círculo de discípulos de Jesus, Maria Madalena. Alguns atribuem a ela um papel especial na vida de Jesus. Conforme o livro O Código da Vinci, de Dan Brown, ela foi esposa de Jesus e com ele teve filhos. Essa lenda se baseia, por um lado, em diversas observações espalhadas em livros apócrifos dos séculos II e III d. C. Esses livros referem-se ocasionalmente a Maria como “companheira de Jesus” ou “discípula amada” (Evangelho de Felipe) ou intérprete e interlocutora privilegiada de Jesus (Pistis Sofia). Por outro lado, apoiam-se numa tradição da Idade Média, de acordo com a qual Maria teria ido, após a ressurreição de Jesus, ao sul da França, onde um de seus filhos se tornara o fundador da dinastia dos merovíngios (governantes da França).
A partir do papa Gregório I (590 d.C.), Maria Madalena foi, além disso, identificada com a “pecadora” que lavou os pés de Jesus (Lucas 7.36-50) e considerada uma prostituta. Essa pecadora anônima havia sido já anteriormente (João 11) identificada com Maria, irmã de Marta e Lázaro. Assim, Maria Madalena atraiu, com o tempo, as características de três mulheres distintas da Bíblia, tornando-se, por fim, erroneamente o símbolo da pecadora arrependida.
O Novo Testamento menciona Maria Madalena, geralmente junto com outras mulheres, em momentos decisivos da vida de Jesus: na crucificação, no sepultamento (Marcos 15.40-47) e na ressurreição (Marcos 16.1; conforme João 20.1, ela é a única que vai ao sepulcro no domingo de manhã). Sem dúvida, Maria Madalena era, ao lado de Pedro, a grande líder dentro do círculo menor de discípulos. Em João 20 e alguns livros apócrifos ainda encontramos sinais de uma certa concorrência entre Pedro e Maria.
Esse seu papel de liderança e respeito Maria Madalena conquistou por sua atuação e postura dentro do círculo de aprendizes de Jesus. Ela o chama de “Raboni”, ou seja “mestre” (João 20.16)). Natural da cidade de Magdala, à margem do Lago de Genesaré, Maria tornou-se seguidora de Jesus por gratidão: Jesus a havia curado de seus males (“dela saíram sete demônios”, conforme Lucas 8.2). Juntamente com outras mulheres ela o acompanhava e, com os seus bens, até sustentava o grupo em suas andanças pela Galileia até Jerusalém (Lucas 8.3).
Por ocasião da crucificação de Jesus, Maria Madalena e as outras mulheres observavam de “longe” o que acontecia (Marcos 15.40). Isso representou um ato de coragem, ainda que comedida, já que uma demonstração de solidariedade podia facilmente ser confundida com um apoio ao movimento contra os romanos, que executaram Jesus. Os discípulos homens aparentemente haviam fugido (João 19.26 menciona apenas o discípulo amado).
A fidelidade de Maria Madalena se estende para além da morte de Jesus. Os Evangelhos concordam que ela, ou sozinha ou junto com outras mulheres, foi a primeira testemunha da ressurreição. Por ter anunciado a boa nova aos outros discípulos (João 20.18), ela pode ser chamada de “apóstola dos apóstolos”.
Mas, infelizmente, a autoridade que Maria Madalena gozava nas primeiras comunidades cristãs foi se diluindo aos poucos com a criação de uma igreja hierárquica. Nos grupos gnósticos, ela se tornou companheira e esposa de Jesus e, em diversos pais da Igreja, transformou-se no símbolo da pecadora penitente. Para as comunidades de hoje, Maria Madalena deve ser vista como uma discípula corajosa, uma líder dinâmica e uma fiel seguidora de Jesus que vivia de forma coerente a sua fé.
Nelson Kilpp- pastor da IECLB. – Texto cedido pelo autor publicado na Revista Novo Olhar da Editora Sinodal – janeiro-fevereiro de 2011- nº 37
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