Revda Sônia Mota
Dia das Mães
Para quem tem mãe e motivos para comemorar, hoje é dia de almoço em conjunto, de entrega de flores e presentes. Afinal, à exceção do Natal, esta é uma das datas em que o comércio mais lucra.
Hoje é dia de mães abraçarem seus filhos e suas filhas e, emocionadas, se esquecerem dos sofrimentos e das angústias que eles lhes causaram. Tudo é esquecido e perdoado. As escolas, igrejas e empresas vão fazer festas e promover homenagens especiais.
Mas, permitam-me quebrar este quadro tocante para lembrar outras mulheres que também são mães, mas não têm o que comemorar, porque seus filhos ou suas filhas lhes foram tirados do colo e da vida. As estatísticas mostram que, cada dia, dezenas de mulheres enterram um filho ou uma filha. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), 13 adolescentes morrem diariamente por assassinato. De 2006 a 2012, a quantidade de jovens assassinados superará 33 mil1.
Pensando nestas mães, lembro-me de outra mãe, que também passou por esta dor. O nome dela? Rispa. A sua história está narrada em 2 Samuel 21, no Antigo Testamento2.
Rispa foi uma das esposas do rei Saul e convivia com as intrigas palacianas. Após a trágica morte do rei, iniciaram seus dias de angústia. Apesar de não participar da vida política, ela se tornou vítima dos grandes e poderosos em sua luta pelo poder. Será que seu nome seria um prenúncio de sua aflição? Afinal, Rispa significa “pedra quente”, ou seja, a pedra aquecida ao fogo, na qual as mulheres assavam o pão. Na época do rei Davi, Rispa enfrentaria uma situação extremamente dolorosa (2 Samuel 21). Era uma época de estiagem prolongada. Naqueles tempos, era costume atribuir catástrofes naturais a Deus. Também Davi pensava assim. De alguma forma, ele descobriu que a causa da estiagem podia estar relacionada a um crime praticado por Saul contra os habitantes de uma cidade chamada Gibeão. Nada sabemos sobre esse suposto crime.
Para resolver rapidamente a situação, Davi pergunta aos moradores de Gibeão como esse mal poderia ser desfeito, de modo que as chuvas voltassem. Os gibeonitas exigiram, então, a morte de sete descendentes masculinos de Saul. Davi aceitou a exigência dos gibeonitas e deu-lhes dois filhos e cinco netos de Saul, que foram executados. Seus corpos foram expostos à execração pública no alto de uma penha.
Os dois filhos de Rispa estavam entre os executados. O que faria essa mãe-viúva, cujos filhos eram seu único arrimo e futuro? O texto bíblico narra o seguinte: “Então, Rispa, filha de Aiá, tomou um pano de saco e o estendeu sobre a penha e não deixou que as aves do céu se aproximassem deles de dia, nem os animais do campo de noite, desde o princípio da ceifa até que sobre eles caiu a água do céu”.
A enorme dor da mãe não consegue dobrá-la; ela não se conforma com a violência oriunda de divergências políticas. Ela não pergunta se seus filhos eventualmente têm algo a ver com o mencionado crime de Saul ou não. Isso agora é secundário. Ela faz algo inesperado: demonstra publicamente, através do luto, também sua rebeldia contra a injustiça dos poderosos. Ela leva seus trajes de luto – roupa de saco – para onde estão expostos os filhos mortos e espanta os animais e os abutres que querem atacar os cadáveres. Pois os cadáveres devem ficar insepultos, à vista de todos, até que sua morte alcance o objetivo almejado: o fim da estiagem.
Em sua dor, Rispa não sofre silenciosamente. Através de seu luto realiza um protesto público, demonstrando sua inconformidade. Com seu gesto de amor aos filhos e sobrinhos mortos ela consegue comover, sem palavras, os transeuntes. Com o tempo – o texto dá a entender que podem ter sido até cinco meses –, até o poderoso rei Davi se convence de que eliminar pessoas inocentes por razões políticas não é a forma correta de governar.
O protesto de Rispa, silencioso e pacífico, que escancara a crueldade de uma sociedade que não respeita a pessoa humana, surtiu efeito: conseguiu mover um grande rei a mudar sua postura política. A “pedra de fogo” queimou a consciência dos poderosos em seu jogo ensandecido pelo poder. Assim, outras mães não precisariam passar pela mesma dor e sofrimento.
Peço licença para prestar uma homenagem a todas as mães que, no dia de hoje, não comemoram, mas choram pelos seus filhos e filhas mortos pela violência policial, pela violência do trânsito, pelos grupos de extermínio, pelos matadores da nossa sociedade. Mulheres como as Mães de Acari, mães da Praça da Sé, as Mães de Luziânia, que tiveram seus filhos assassinados ou que estão desaparecidos e que, hoje, não terão como presente um abraço, um botão de rosa ou um sorriso. Em vez de receber flores, muitas destas mães levarão flores para a sepultura dos seus filhos e suas filhas, outras continuarão nas praças ou nos programas de televisão, buscando sem cessar por seus filhos, apegando-se a um fio de esperança que impede que desanimem.
A todas as Rispas, o nosso respeito e solidariedade pelos filhos que não poderão abraçar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário